Realmente...como ninguém te amou antes.... Qualquer semelhança não é coincidência é realidade!

quarta-feira, 27 de julho de 2011

* Lagoa Encantada


 Numa noite de lua cheia, Romai foi à Lagoa Proibida. Para ele não havia nada proibido. As regras existiam para serem rompidas. Aprendeu isso com um tio avô fugitivo da prisão. Tratando-se de uma Lagoa, então, o que poderia haver de proibido? No máximo poderia ser perigoso. Por isso, chamava aquela Lagoa de “Encantada”.
Romai ia descendo a passos lentos. Sentia que uma força estranha o empurrava pela trilha que contornava o paredão de pedra, até a Lagoa Encantada.  Não sabia explicar, mas tinha a impressão que seu coração iria saltitar pela boca. Parou para se controlar. Num repente, começou a ouvir uma canção de ninar. Era uma voz suave, igual a de um anjo. Jurava, jamais tinha ouvido, antes, algo tão belo, tão inebriante. Uma voz doce, quase um feitiço.  Era algo misterioso, invisível aos olhos. Algo que penetrava na alma, dando a sensação de leveza e paz interior.
Sem fazer barulho foi andando até a margem da Lagoa. Queria sentar e se deleitar com a voz misteriosa. Distraído, escorregou e caiu na água, fazendo redemoinhos. Teve medo. Será que alguém havia o empurrado? Não. Fora descuido! Então, deitou-se e descobriu uma manta de estrelas logo a cima de sua cabeça.
Onde está a voz? Ficou ali, quieto, esperando o recomeço da canção de ninar. Nada. Adormeceu. Pela manha, raios de sol faziam cócegas em seu rosto. Levantou, olhou ao seu redor, tudo estava em perfeita ordem. Ouvia-se o cantar de pássaros, o lambuzar da água e o vento mexendo a copada das árvores. Nem um sinal de vozes misteriosas ou coisas encantadas.
Naquele dia não conseguiu se concentrar no trabalho. Quando o sol se deitou na colina, novamente, foi à Lagoa Encantada. Romai já sabia o caminho. Tantas vezes havia estado lá. Tinha certeza, existia algo diferente. Os moradores da região não se arriscavam a descer à Lagoa. Contavam que pessoas haviam sumido ao se banharem. Quem teimou, nunca mais teria voltado.
Romai ia pensando nestas historias. Nem havia percebido, a voz novamente entoando a canção. Correu para lá e gritou “apareça, fale comigo, eu não tenho medo”. De subido, a voz desapareceu. Nada mais se ouvia, senão o coaxar das rãs.
Encostou-se nas raízes de um plátano desnudo. No inverno os plátanos abandonam suas folhas só para raptar mais raios de sol. Ficou ali, esperando. Nada! Porque havia gritado? Sua voz havia retumbado nos paredões de pedra. Era certo, o Encanto foi embora. Escondeu-se, mergulhou na Lagoa misteriosa, que ninguém conhecia as profundezas. Aprendeu, ele, Encanto é suave, é brisa leve, é harmonia. É o silenciar diante de tanta beleza. É contemplação, paciência e repouso.
Um desejo enorme tomou conta de Romai. Queria mergulhar nas águas cristalinas da Lagoa Encantada e desvendar a dona da voz. Lutou com todas as forças para não mergulhar. Lembrou-se de experiências passadas. Já havia se banhado em muitas Lagoas Proibidas, sem contemplar, sem enamorar, sem embriagar-se com o brilho do olhar.  Agora seria diferente.  Essa Lagoa era diferente. O cântico e o desejo eram diferentes. Então, Romai rezou: “Senhor Deus de todos os mistérios, ensine meu coração a se controlar. Que ele alce vôos sem quedas e ferimentos. Mas, se eles forem inevitáveis, ensine a recomeçar”. Não foi nessa noite que ele mergulhou. Deixou o coração na Lagoa e retornou para casa. Adormeceu, ouvindo a voz angelical que vinha de lá.
No outro dia, logo que o sol deu sinais de se encostar nas montanhas, Romai se lançou aos encantos da Lagoa. Nesta noite, levava consigo uma flauta. Fazia pouco tempo de recomeçara a tocar. Recomendações médicas. Descia pela trilha lentamente, suavemente, docemente. Sentou-se à beira da Lagoa e, de olhos fechados, começou a tocar. Nem havia percebido, a voz o acompanhava formando um belo dueto. Aos poucos foi sentindo o cheiro adocicado de flores do campo. Romai deixou suas costas tocarem na grama fina. Percebeu uma suave presença ao seu lado. Sentia um hálito quente, gosto de mel. Sabia que a manta de estrelas o acompanhava, mas não teve coragem de abrir os olhos para ver as três Marias. A lua redonda havia transformado as águas num leite bem branquinho e quente. Uma leve brisa conduziu Romai e o Encanto para o meio da Lagoa. Adentraram tão profundamente que Romai não podia mais voltar. Havia, ele, perdido-se para a Lagoa Proibida. Se retornasse, não seria mais o mesmo. Guardaria marcas vivas, incandescentes, feito brasas.
A partir dessa noite, o encontro de Romai com a Lagoa Encantada passou a ser sagrado. Fizesse chuva, tivesse estrelas, fosse lua cheia ou minguante, ele estava lá, deleitando-se com o mistério. A paz que ele sentia era inexplicável. Dizem os habitantes do local que ele nunca mais foi visto só. Em noites de lua cheia passeava pela Indara, acompanhado de um Encanto, muitos juravam ser um anjo.
Celica Vebber
* Baseado em fatos reais

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